Friday, January 12, 2007

Luiz Carlos Vasconcelos
















É muito difícil presentear pessoas como Luiz Carlos. Qualquer presente dos convencionais o faria rir interiormente. Não por ingratidão ou desprezo à gentileza ou prova de carinho recebidos, mas, acho que riria de si mesmo, de felicidade, ao se perceber ainda indiferente ao convencional. Acredito mesmo que assim seguirá todos os seus dias.
A primeira lembrança de Luiz Carlos quando éramos crianças em Umbuzeiro, vem montada em um lindo e grande velocípede, de rodas brancas e largas, com guidon de bicicleta, que ele manobrava rapidamente por entre os móveis da sala para desespero de mamãe, que findava irritando-se ainda mais com a nossa barulhenta torcida a estimulá-lo. Esse mesmo velocípede, usava na calçada da usina vizinha a nossa casa em grande velocidade, driblando pequenas pedras que colocávamos, traçando assim um sinuoso e difícil percurso.
Morávamos todos em Umbuzeiro, sua cidade natal. Os circos que chegavam à cidade – para desespero de Ciço Bode proprietário do pequeno cinema - e felicidade nossa, em sua totalidade não tinham nem mesmo pano de cobertura. Cinco ou seis lances de arquibancadas escondidas num encardido e remendado pano de roda, bastavam para enlouquecer os umbuzeirenses. O palhaço também era o galã, trapezista e proprietário do circo, além de marido da bailarina que, por sua vez, também era assistente do mágico, do palhaço e do trapezista, além de protagonizar o melodrama “A Louca do Jardim”, esquete teatral que fechava com chave de ouro o espetáculo da noite, como registraria Luiz Carlos, numa entrevista sobre a Intrépida Troup.
De Umbuzeiro ainda, trago a lembrança do “Baú de roupas de época” citado por Luiz Carlos em algumas entrevistas. Era um baú de verdade, desses que não existem mais, pelo menos do tamanho daquele, onde mamãe guardava as fantasias finas dos carnavais brincados em Caruaru quando ainda era solteira. Lembro de muita seda colorida nas mais fortes tonalidades, adereços, sapatos, chapéus... Acreditem, naquele baú não havia nada mais que isso, pelo menos para os meus pobres olhos. Já para os de Luiz Carlos, havia muito mais que tecidos coloridos e complementos de fantasias... Havia vida. Uma vida que só ele enxergava e sentia, no meio daquelas cores e do cheiro de roupa guardada.
Hoje percebo que era a sua própria vida, de forma ainda embrionária, que alí estava.
Em uma das três entrevista no programa do Jô, referiu-se a Umbuzeiro: “Minha visão de mundo é determinada por ser dali!” Lembro de mais uma reportagem na Folha de São Paulo quando, chegando da Inglaterra, depois de ver a sua Vau da Sarapalha ser aplaudida de pé em Londres, foi questionado sobre suas origens em Umbuzeiro: “Se eu tivesse tido uma formação camponesa, que não tivesse me permitido estudar, estaria tocando viola e lendo cordel na feira de Umbuzeiro, com o maior gosto.” E ainda na mesma entrevista, sobre a dificuldade que deveria ser, compatibilizar todas essas atividades com as de palhaço, alertou: “Ser palhaço é uma pulsão de vida!”
Depois daí, vieram os filmes; a televisão, na novela Senhora do Destino, e principalmente nas minisséries – inclusive “A Pedra do Reino” da obra de Ariano Suassuna; as mil apresentações de Vau da Sarapalha e seu lirismo reflexivo; o reconhecimento em larga escala... mais filmes...
Com todo esse sucesso, reconhecido principalmente pela crítica inteligente, fiquei me imaginando andando nas ruas sob os olhares atentos das pessoas a cochicharem: “Aquele é um dos irmãos de Luiz Carlos Vasconcelos...” Enquanto ele, colocava ordem na casa: “Mas, agora, preciso chefiar a mim mesmo. Tenho que manter o rigor e não descuidar da minha rota.”
Ainda bem que as suas escolhas sempre aumentaram o meu prazer e o meu orgulho em ser seu irmão.
Durante as filmagens de Abril Despedaçado, deixou registrado em outra entrevista como recebia os elogios unânimes da crítica: “Mereço isso, e tenho certeza que chega na hora certa, quando posso administrar de forma sábia. Se fosse há dez anos, já teria me deslumbrado e acreditado nas críticas internacionais de Eu, Tu, Eles que me colocaram como galã, aceitando convites para qualquer papel na televisão, enfim, deixando a minha vaidade, que é extrema, me conduzir” E, para solidificar essa conduta de indiferente ao convencional, ao óbvio, mesmo quando eles vêm travestidos da palavra sucesso, ratificaria em mais um depoimento aos jornais, logo após Senhora do Destino: “A televisão não me apresenta nenhum desafio. Se eu fizesse, iria sofrer, e aí, eu vou fazer apenas para estar na novela?!”
Em 1977 eu estava de volta a João Pessoa, depois de alguns anos em Brasília. Encontrei Luiz Carlos motivadíssimo com a fundação da Escola Piollin. A palavra de ordem, era: “Fazer arte transformando o ser humano, e, aqui em João Pessoa, quem precisa dessa transformação são as crianças da vizinhança da Piollin!” A escola funcionava precariamente já no mesmo local onde até hoje funciona. Sua troupe de sonhadores havia invadido e se apossado das instalações daquela fazenda abandonada. Quando a imprensa se deu conta e começou a pressionar, fiquei apavorado e fui até ele colocar-me à disposição, bem como indicar alguns amigos que poderiam dar uma força dentro do governo... Ouvi dele, sem sequer parar o que estava fazendo: “Agora que fincamos os pés, não arredaremos mais!”
O lado doce e sensível desse homem fascinado pelo circo e treinado nos palcos da vida, não contrasta com o seu lado aguerrido e destemido. Convivem em harmonia entre si, e com suas obstinação e perseverança, duas outras grandes qualidades que desenvolveu através de ações, forjando sua alma de eterno artista mambembe, que vai de um desafio a outro embevecido pelos riscos que correrá, e, através desses riscos, tornando realidades suas tentações como sugerira Grotowsky, mas, sem afastar-se do caminho que traçara para si mesmo.
Durante as filmagens de “A Pedra do Reino” da obra de Ariano Suassuna, em Taperoá, talvez por estar mais próximo à Natureza, talvez por estar reencontrando o ludismo da vida interiorana, Luiz Carlos, certamente, deixou mais evidente sua preferência pelo inusitado, pelo não-óbvio; sua atração pelo desconhecido, pelo quase impossível; sua capacidade de perceber além das palavras que lhe chegam, além do dedo em riste que “elogia”; sua sensibilidade aflorada para receber, acolher, proteger. E a Natureza não deixou por menos, e presenteou-o com Chico – ou Francisco, como prefere. Criança de nove anos, da periferia de Taperoá, sem nunca haver recebido os cuidados mínimos necessários, mas, com um brilho nos olhos capaz de conquistar e apaixonar qualquer um.
Luiz Carlos o adotou e o trouxe consigo para João Pessoa, para ser seu filho.
Sábado passado foi meu dia de conhecê-lo pessoalmente, após alguns contatos por telefone. Estava diante do espelho do banheiro, com a porta aberta, quando um pequeno vulto passou voando pela porta e imediatamente retornou, ficando diante dela, com os braços abertos, um sorriso espontâneo e largo, e o grito a todo pulmão: “Tio Dodôôôôôô!!!!!” E saltou em meus braços dentro do banheiro. Claro que não contive as lágrimas... Em seguida entrou Luiz Carlos, dizendo que, mal conseguira parar o carro e ele já desceu e forçou o portão fazendo sinal de silêncio com o dedo nos lábios. E entrou correndo pela casa que não conhecia, em busca do tio que não conhecia. Foram três dias inesquecíveis, com uma centena de fotos, comidinha japonesa que ele provou usando os palitinhos –hashi, churrasco, dias inteiros dentro da piscina usando minhas costas como trampolim, chocolates, torta alemã, conheceu o Farândola, fez passeios por Boa Viagem, feirinha típica... Uffa! E ainda ganhou um lindo filhote de Mastim Napolitano para guardar sua nova casa. Choramos todos quando partiu, prometendo voltar qualquer dia desses.
Para um texto de blogg, ficaria muito extenso contar todas as histórias de raça, destemor, fé e confiança na vida, que sei de Luiz Carlos. E de Xuxu?!... Como aquela sua estocada nos Senadores da República em pleno Salão de Imprensa do Congresso Nacional?!...
Permitam-me então, antes de encerrar, citar uma pequena parte da Carta da Paraíba, escrita pelos participantes quando do encerramento do Riso da Terra:
“Cultivemos o riso, mas, não um riso que discrimine o outro pela sua cor, religião, etnia, gostos e costumes. Cultivemos o riso para celebrar as nossas diferenças. Um riso que seja como a própria vida: Múltiplo, diverso, generoso. Enquanto rirmos, estaremos em paz.”

1 comment:

liliana miranda said...

Foi legal ter conhecido o Luiz e o Francisco.. pena que nao tivemos oportundade para conversarmos com mais calma.. espero por novas oportunidades!!
beijo aos tres! (tu, Luiz e Francisco)